O Ministro Felix Fischer, ao apreciar o Agravo Regimental EDcl no AREsp 1270387 / MG, consignou que eventual irregularidade na fase investigativa, ainda que venha a ser comprovada, não possui o condão de afetar a ação penal. Isso porque o inquérito policial é peça meramente informativa, que visa munir o órgão responsável pela acusação dos elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não consistindo, portanto, em fase obrigatória da persecução penal.
É sabido que o reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief).
O entendimento jurisprudencial assente é de que eventual irregularidade do inquérito policial não contamina a ação penal dele decorrente, por se tratar de mero procedimento informativo, sendo certo que as provas serão renovadas sob o crivo da ampla defesa e contraditório, durante a instrução.
O Ministro colacionou no seu decisum vários julgados do Superior Tribunal de Justiça como do Supremo Tribunal Federal. Veja-se:
‘PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INQUÉRITO POLICIAL. EVENTUAIS IRREGULARIDADES. AUSÊNCIA DE CONTAMINAÇÃO DA AÇÃO PENAL. SUSTENTAÇÃO ORAL. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO PRÉVIO. NULIDADE NÃO VERIFICADA. PRISÃO DOMICILIAR. MATÉRIA NÃO ENFRENTADA NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA. EXPEDIÇÃO DE MANDADO DE PRISÃO. ILEGALIDADE. INOCORRÊNCIA. EVOLUÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSE EXTENSÃO, NÃO PROVIDO. […] II – Em razão da sua natureza pré-processual, eventuais irregularidades ocorridas na fase do inquérito policial não contaminam a ação penal dele decorrente, quando as provas serão renovadas sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. […] Recurso ordinário em habeas corpus parcialmente conhecido e, nessa extensão não provido.’ (RHC 76.684/SC, Quinta Turma , de minha relatoria , DJe 01/12/2017)
‘RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. LAVAGEM DE DINHEIRO. SUPOSTA SEITA RELIGIOSA. NULIDADES. NÃO CONSTATAÇÃO. PRISÃO PREVENTIVA. NECESSIDADE PARA INTERROMPER ATIVIDADES. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. MEDIDAS CAUTELARES ALTERNATIVAS. INSUFICIÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, DESPROVIDO.
- Hipótese na qual os recorrentes foram denunciados pela suposta prática dos delitos tipificados nos arts. 2o, caput, da Lei no 12.850/2013, 171 (seis vezes) e 299 (cinco vezes) do Código Penal e 1o da Lei no 9.613/98, não se sustentando a alegação de não preenchimento do requisito contido no art. 313, inciso I, do Código de Processo Penal.
- A jurisprudência desta Corte Superior que possui entendimento pacificado no sentido de que, nas hipóteses de flagrante delito de crime permanente – no caso, organização criminosa -, não há falar em autorização judicial – e, portanto, limitação de horário – para os policiais adentrarem residência alheia.
- O sigilo decretado na fase investigativa, harmônico com a natureza tanto inquisitiva quanto sigilosa do inquérito policial, tem por intuito garantir a efetividade das apurações, e não o direito dos recorrentes. Desse modo, eventual desrespeito a tal determinação, com vazamento da data e ora do cumprimento do mandado à imprensa – por mais censurável que possa ser -, deve ser objeto de apuração por meio das vias próprias.
- Eventual irregularidade na fase investigativa, ainda que venha a ser comprovada, não possui o condão de afetar a ação penal. Isso porque o inquérito policial é peça meramente informativa, que visa munir o órgão responsável pela acusação dos elementos necessários para o oferecimento da denúncia, não consistindo, portanto, em fase obrigatória da persecução penal.[…]
- Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.’ (RHC 87.092/RJ, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe 28/02/2018)
Ementa: Processual penal. Agravo regimental Habeas corpus. Sustentação oral. Impossibilidade. Homicídio qualificado. Alteração da competência. Ratificação dos atos pelo juiz natural da causa. Possibilidade. […] 3. O Supremo Tribunal Federal tem uma jurisprudência consolidada no sentido de que não se proclama nulidade sem a comprovação de prejuízo, sendo certo ainda que eventuais irregularidades do inquérito não repercutem na ação penal. Precedentes. 4. O juiz natural da causa pode ratificar os atos instrutórios praticados por vara especializada que, após a supervisão judicial do inquérito policial, declinou da competência. Precedentes. 5. O Plenário do STF (ADI 4.414, Rel. Min. Luiz Fux), ao modular os efeitos da decisão, preservou os atos processuais praticados pela vara especializada de que cuidam estes autos. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (HC 130810 AgR, Primeira Turma , Rel. Min. Roberto Barroso , DJe-198 DIVULG 15-09-2016 PUBLIC 16-09-2016)
Com base em tais fundamentos, negou provimento ao Agravo Regimental, mantendo a decisão que julgou prejudicado Recurso Ordinário em Habeas Corpus interposto originalmente.
Fonte: Jurisprudência em Teses do Superior Tribunal de Justiça, Edição 69