O Ministro Felix Fischer, no HC 372.762/MG julgado em 03/10/2017, assentou que os dados e mensagens armazenados em aparelho de telefone celular ou smartphones estão abrangidas pelo sigilo previsto no artigo 5º, inciso XII, da Constituição, podendo ser acessados apenas mediante prévia autorização judicial, conforme artigo 3º, da Lei n. 9.472/97 e da Lei n. 12.965/14.
No julgado em questão, o impetrante teve a prisão provisória decretada e denunciado contra os investigados, imputando-lhes os crimes tipificados no art. 121, § 2°, I, III, e IV, c/c o art. 29, ambos do Código Penal, art. 35, c/c o art. 40, IV e VI, ambos da Lei n. 11.343/06, bem como no art. 244-B, § 2°, da Lei n. 8.069/90.
O juízo do Tribunal do Júri recebeu a denúncia e decretou a prisão preventiva do paciente.
A defesa do paciente, na resposta à acusação, alegou que seria nula a transcrição das mensagens de texto SMS encontradas no aparelho celular Nokia modelo 1661-2, apreendido no imóvel situado à Rua Antônio Marçal Sampaio, n. 64, Bairro Mantiqueira, Belo Horizonte/MG. Aduziu que referido imóvel, cuja propriedade pertencia ao paciente, estaria locado a terceira pessoa, e que o celular apreendido seria de propriedade da esposa do locatário, pessoas não investigadas no inquérito. Além disso, alegou que o acesso aos dados enviados via mensagens SMS pelo celular dependia de autorização específica da autoridade judicial, em obediência ao sigilo dos dados, o que não houve na espécie, razão pela qual as mensagens transcritas no laudo pericial de fls. 635-642 deveriam ser desentranhadas do processo.
De igual forma, aduziu que seria nula a transcrição das mensagens trocadas por meio do aplicativo “WhatsApp” armazenadas no celular Modelo XT 1025, apreendido com o corréu Minasmar José da Silva Filho (fls. 444-455), pois o acesso às conversas armazenadas no telefone móvel apreendido estariam protegidas pela inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas prevista no art. 5º, XII, da Constituição Federal. Ademais, alegou que o acesso a referidos dados dependeria de ordem judicial, conforme restou decidido no RHC n. 51.531/RO, de relatoria do em. Ministro Nefi Cordeiro, razão pela qual deveria ser desentranhado do processo o relatório circunstanciado de investigação de fls. 505-512, no qual houve a indevida transcrição das mensagens trocadas pelo corréu Minasmar, e que foram posteriormente utilizadas para o indiciamento do paciente (fls. 675-705) e para o oferecimento da denúncia (24-28).
O d. Juízo de primeiro grau rechaçou a tese de nulidade do laudo, bem como indeferiu o pedido de desentranhamento do relatório circunstanciado de investigação, ao argumento de que a ordem judicial de busca e apreensão já seria suficiente para autorizar o acesso a tais informações, sendo este mero exaurimento da ordem já́ expedida, conforme r. decisão proferida em 5/8/2016.
Irresignada a defesa impetrou o presente habeas corpus requerendo a declaração de nulidade da transcrição das mensagens dos aparelhos celulares apreendidos sem prévia autorização judicial. A ordem foi denegada pelo Tribunal de origem.
O Ministro Felix Fischer ao julgar o Habeas Corpus destacou que ao julgar o HC n. 283.151/SP, de sua relatoria, já́ se manifestou no sentido de que “A obtenção de dados mediante a apreensão da base física de computador, autorizado judicialmente, não ofende o art. 5°, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telemática propriamente dita, ou seja, ́é da ‘comunicação de dados’ e não dos ‘dados em si mesmos, ainda quando armazenados em computador ́ (RE 418416-8, Tribunal Pleno, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19.12.2006)“.
O Ministro ressaltou que a norma constitucional (art. 5º, XII) salvaguarda quatro liberdades: a comunicação de correspondência, telegráfica, de dados e a comunicação telefônica. O sigilo a que se refere o indigitado preceito de regência diz respeito à comunicação em si, e não aos dados já armazenados – in casu, nos arquivos de aparelhos celulares licitamente apreendidos. Explica-se: é a efetiva troca de informações o objeto tutelado pela norma inserta no art. 5º, XII, da Constituição da República.
A Lei n. 9.296/96, por conseguinte, foi enfática, em seu parágrafo único, ao dispor especificamente sobre a proteção ao fluxo das comunicações em sistemas de informática e telemática.
Depreende-se da mencionada norma, ao regulamentar o art. 5º, XII, da Carta Magna, que houve uma preocupação do legislador em distinguir o que é a fluência da comunicação em andamento, daquilo que corresponde aos dados obtidos como consequência desse diálogo.
Optou-se, em relação aos sistemas de informática e telemática, pela proteção à integridade do curso da conversa desenvolvida pelos interlocutores.
Nesse sentido já se manifestou o excelso Supremo Tribunal Federal sobre caso congênere, o qual trago à colação:
“[…] 2. Na espécie, ao contrário, não se questiona que a apreensão dos computadores da empresa do recorrente se fez regularmente, na conformidade e em cumprimento de mandado judicial.
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Não há violação do art. 5o. XII, da Constituição que, conforme se acentuou na sentença, não se aplica ao caso, pois não houve “quebra, de sigilo das comunicações de dados (interceptação das comunicações), mas sim apreensão de base física na qual se encontravam os dados, mediante prévia e fundamentada decisão judicial”.
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A proteção a que se refere o art. 5o, XII, da Constituição, é da ‘comunicação de dados’ e não dos ‘dados em si mesmos’, ainda quando armazenados em computador. (cf. voto no MS 21.729, Pleno, 5.10.95, red. Néri da Silveira – RTJ 179/225, 270)” (RE n. 418.416/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19/12/2006”.
Contudo, os dados armazenados nos aparelhos celulares decorrentes de envio ou recebimento de dados via mensagens SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens (dentre eles o “WhatsApp”), ou mesmo por correio eletrônico, dizem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, sendo, portanto, invioláveis, no termos do art 5°, X, da Constituição Federal.
Referidos dados também possuem proteção infraconstitucional.
A Lei n. 9.472/97, que trata da organização do sistema de telecomunicações no Brasil, assim dispõe no art. 3°, V:
“Art. 3o O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
[…]
V – à inviolabilidade e ao segredo de sua comunicação, salvo nas hipóteses e condições constitucional e legalmente previstas;”
A Lei n. 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, que regulamenta os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, dispõe, em seu art. 7º, o seguinte:
“Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
II – inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;
III – inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial”.
Verifica-se, pois, que os dados decorrentes de comunicações realizadas por meio de comunicação telefônica ou pela internet, como mensagens ou caracteres armazenados em aparelhos celulares, são invioláveis, somente podendo ser acessados mediante prévia autorização judicial.
“PROCESSUAL PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. TRÁFICO DE DROGAS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. EXCESSO DE PRAZO. ALVARÁ SOLTURA. WRIT PREJUDICADO. NEGATIVA DE AUTORIA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. PROVA ILÍCITA. NULIDADE. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA ACESSO DE DADOS DE APLICATIVO CELULAR WHATSAPP. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
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A questão referente à alegação de excesso de prazo encontra-se superada diante da expedição de alvará de soltura em favor do paciente.
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A via estreita do habeas corpus, ação constitucional de rito célere e cognição sumária, não comporta discussão de negativa de autoria, por demandar o revolvimento fático-probatório, devendo a coação ser manifestamente ilegal.
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Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp, obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial.
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Recurso em habeas corpus parcialmente provido para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos” (RHC n. 76.510/RR, Sexta Turma, Rel. Min. Nefi Cordeiro, DJe de 17/4/2017)”.
No presente caso, contudo, não se trata de aparelho celular apreendido no momento da prisão em flagrante, pois os telefones celulares mencionados pelo impetrante foram apreendidos em cumprimento a ordem judicial que autorizou a busca e apreensão nos endereços ligados ao paciente e aos corréus Minasmar e Rafael Gomes, proferida em 4/5/2016.
Desta forma, a quaestio restringe-se a saber se a ordem de busca e apreensão determinada já seria suficiente para permitir o acesso aos dados dos aparelhos celulares apreendidos, ou se seria necessária outra autorização judicial específica para a análise e transcrição dos dados armazenados nos telefones após a apreensão.
Com efeito, no RHC n. 75.800/PR, de minha relatoria, já me manifestei no sentido de que autorização judicial determinando a busca e apreensão permitiria o acesso aos dados armazenados no aparelho celular apreendido e, por conseguinte, a utilização das mensagens nele encontradas, sendo prescindível nova ordem judicial, conforme acórdão que restou assim ementado:
“PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO “LAVA-JATO”. MANDADO DE BUSCA E APREENSÃO. APREENSÃO DE APARELHOS DE TELEFONE CELULAR. LEI 9296/96. OFENSA AO ART. 5o, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. DECISÃO FUNDAMENTADA QUE NÃO SE SUBORDINA AOS DITAMES DA LEI 9296/96. ACESSO AO CONTEÚDO DE MENSAGENS ARQUIVADAS NO APARELHO. POSSIBILIDADE. LICITUDE DA PROVA. RECURSO DESPROVIDO.
I – A obtenção do conteúdo de conversas e mensagens armazenadas em aparelho de telefone celular ou smartphones não se subordina aos ditames da Lei 9296/96.
II – O acesso ao conteúdo armazenado em telefone celular ou smartphone, quando determinada judicialmente a busca e apreensão destes aparelhos, não ofende o art. 5o, inciso XII, da Constituição da República, porquanto o sigilo a que se refere o aludido preceito constitucional é em relação à interceptação telefônica ou telemática propriamente dita, ou seja, é da comunicação de dados, e não dos dados em si mesmos.
III – Não há nulidade quando a decisão que determina a busca e apreensão está suficientemente fundamentada, como ocorre na espécie.
IV – Na pressuposição da ordem de apreensão de aparelho celular ou smartphone está o acesso aos dados que neles estejam armazenados, sob pena de a busca e apreensão resultar em medida írrita, dado que o aparelho desprovido de conteúdo simplesmente não ostenta virtualidade de ser utilizado como prova criminal.
V – Hipótese em que, demais disso, a decisão judicial expressamente determinou o acesso aos dados armazenados nos aparelhos eventualmente apreendidos, robustecendo o alvitre quanto à licitude da prova.
Recurso desprovido” (RHC n. 75.800/PR, Quinta Turma, de minha relatoria, DJe de 26/9/2016)”.
Dessa forma, o Ministro negou o Habeas Corpus por entender que a apreensão da base física dos aparelhos de telefone celular não configura óbice para se adentrar ao seu conteúdo já armazenado, porquanto necessário ao deslinde do feito.
Fonte: Superior Tribunal de Justiça